“Palavras santas do Senhor eu guardarei no coração.”
(Am 8,4-7; Sl 112/113; 1Tm 2,1-8; Lc 16,1-13)}(19.09.2010)
Palavras e imagens poderosas e sedutoras martelam em nossos ouvidos e solicitam nosso olhar. Críticas mordazes e suspeitas alimentadas por interesses escusos são repetidas como refrão de uma ladainha. É isso que vem dando o tom na campanha política que envolve o povo brasileiro. Como ouvir, guardar e entender a Palavra viva de Deus em meio a tantos rumores? Será que o mês dedicado à Bíblia não pode nos ajudar numa crítica mais profunda das nossas práticas e instituições e num olhar mais esperançoso e transformador destas realidades? De fato, a Palavra de Deus não é simplesmente uma palavra a mais em meio a tantas outras, mas o sentido profundo e transcendente de todos os anseios e palavras verdadeiramente humanas. A Palavra de Deus está encarnada nas palavras humanas, assim como a ação de Deus se conjuga com a ação humana que cria comunhão e promove a liberdade.
“Quando passará a lua nova, para vendermos bem a mercadoria?”
Vivemos numa sociedade de simulação e de consumo. Nada melhor que o tempo de campanha política para trazer a simulação à luz do dia. Todos os postulantes às funções públicas, legislativas ou executivas, fazem questão de se mostrarem devotados agentes públicos, amigos de todos, servidores dos pobres. É como se quisessem fazer da política um sacerdócio e dedicar a vida pelos oprimidos. A realidade é colorida ou reduzida a preto e branco, de acordo com os interesses partidários ou pessoais. As palavras mais encobrem do que revelam aquilo que se esconde no íntimo dos candidatos. Tudo é simulação.
Mas a política está inserida num contexto mais amplo que é a sociedade de consumo. Tudo é regido pela lei do mercado, tudo existe para ser consumido e substituído o mais rapidamente possível. O consumo é a alma deste mundo sem coração e a mina de onde é extraído o ouro da riqueza de poucos à custa da ruína de muitos. E esta tentação seduz até a religião e a política. Todos esperam impacientes o momento oportuno para alterar as regras e dominar os pobres com dinheiro e os humildes com promessas, óculos, camisetas, sandálias ou bênçãos e curas fáceis.
Que lugar têm os pobres e que sentido tem a vida deles nesta sociedade? Nenhum. Até pouco tempo eles serviam como combustível humano nas máquinas e processos industriais, como mercadoria humana no mercado onde se comercializava a mão de obra. Agora a automação tomou o lugar deles, com menos custo e sem o incômodo dos olhares famintos ou das greves desestabilizadoras. Os pobres não servem mais nem como consumidores, pois um só consumidor rico vale por noventa e nove consumidores miseráveis. Servem apenas como votantes, e isso enquanto o voto for obrigatório.
“Um homem rico tinha um administrador que foi acusado de esbanjar seus bens.”
Como iluminar esta realidade com a luz da Palavra de Deus? A parábola que Jesus apresenta hoje aos seus discípulos é muito complexa, mas pode nos ajudar. Temos ainda bem presente na memória e no coração as parábolas que Jesus nos propôs no último domingo como defesa da sua prática solidária com os pobres e excluídos. Como esquecer a figura daquele pai que esbanja atenção, dinheiro e compaixão na festa de acolhida do filho que chegara a disputar a ração dada aos porcos?
A parábola de hoje coloca em evidência um protagonista muito diferente: um administrador acusado de esbanjar os bens que não lhe pertenciam e, por isso, estava ameaçado de demissão. Ciente de que não estava preparado para outro trabalho e recusando-se a pedir esmolas ele agiu com esperteza e rapidez: alterou o montante da conta em favor de alguns devedores e prejudicando mais ainda seu patrão. Com isso, esperava que no futuro os devedores por ele beneficiados saberiam retribuir solidariamente seu gesto de bondade.
O que surpreende e desconcerta é que a esperteza do administrador recebe um elogio explícito do patrão (e do próprio Jesus). Há quem explique o elogio a esta ação aparentemente imoral levantando a hipótese de que o desconto de 50 e 20% corresponde aos juros iníquos cobrados pelo credor ou à comissão à qual o administrador tinha direito. Seria isso mesmo? Ou Jesus estaria propondo outra mensagem, semelhante àquela do pai que gasta sem critérios para acolher e restabelecer a dignidade do filho que havia descido ao inferno social?
“Usai o dinheiro injusto para fazer amigos...”
A questão fundamental que Jesus nos apresenta com esta parábola é como usar adequadamente os bens, as honras e o prestígio. A palavra clara e corajosa de Amós traz à luz do dia as práticas de acúmulo que os ricos tentam esconder nas sombras da noite ou nas franjas de uma hipocrisia deslavada. Mas deixa claro que somos apenas administradores de bens que não nos pertencem e que, frente ao bem maior do Reino de Deus, o dinheiro é coisa de pouco valor e radicalmente injusta.
O administrador aparentemente desonesto é elogiado porque evita ser amigo do dinheiro (como os fariseus) e se mostra amigo das pessoas. Com ele nós aprendemos que o dinheiro que passa pelas nossas mãos, bolsas e contas não nos pertence e precisa ser usado corretamente: para beneficiar a pessoa humana, todas as pessoas, começando pelas mais necessitadas. A ação do administrador é claramente oposta àquilo que fazem os comerciantes denunciados pelo profeta Amós.
Aquilo que parece esbanjamento e desonestidade é pura sabedoria evangélica. Precisamos desenvolver nossas responsabilidades no mundo da economia – produção, administração, distribuição e consumo – com critérios evangélicos. E o critério fundamental é este: os bens estão a serviço de uma convivência humana sadia e solidária. Desviar para os bens econômicos o amor que devemos às pessoas é uma loucura que compromete nossa felicidade pessoal e destrói os laços sociais.
“Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro.”
Precisamos fazer a escolha certa no tempo certo. O momento presente é decisivo em nossa vida. O passado se foi, o futuro ainda está para chegar, mas o presente urge e solicita nossa intervenção sábia. Existem cristãos que construíram sua moradia no passado, e dela não saem para nada. E outros se refugiam no futuro, onde vivem num mundo de fantasia. E quando este futuro é chamado de vida eterna e revestido com esfarrapadas roupas de piedade a mudança é quase impossível.
O uso esperto e sábio dos bens econômicos é que nos habilita a administrar o bem verdadeiro, o Reino de Deus. Esta é a lição que Jesus dá aos cristãos e à Igreja. É intolerável que uma instituição que se legitima unicamente como administradora do Reino de Deus siga impondo fardos aos mais pobres, beneficiando os poderosos, excluindo e criminalizando aqueles que não podem seguir estreitas regras morais, nem sempre evangélicas, enquanto que Paulo nos lembra que Deus quer que todos se salvem!...
O tempo é breve e os bens não nos pertencem! O próprio Jesus veio ao mundo como herdeiro e administrador das coisas do pai e não fez outra coisa que diminuir e cancelar os débitos das pessoas que os sistemas sempre criminalizaram. Mas a maioria das igrejas dá a impressão de que foram enviadas para aumentar estas contas ou cobrar comissão para renegociá-las... Em vez de fazer amigos, criar vínculos e construir espaços de liberdade eles engordam suas contas bancárias e aumentam o poder.
“E o senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com esperteza.”
É impossível amar Deus e viver em nome Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, dobrar os joelhos diante da riqueza, do poder e do prestígio. Ninguém pode adiar impunemente a necessidade de decidir entre Deus e o dinheiro. Precisamos aprender de Jesus o que significa ser esperto e sábio. A Palavra de Deus é penetrante como uma faca de fio duplo: vai até a medula e separa o que é bom e o que é ruim. Tomemos como orientação e guardemos estas palavras santas no coração, mesmo quando são duras, como as do profeta Amós.
Senhor, tua Palavra é santa e nos ensina a sabedoria. Queremos guardá-la e pô-la em prática em todas as circunstâncias da nossa vida. Ensina-nos a contar adequadamente o tempo e avaliar corretamente o valor das coisas. Concede-nos a coragem de desmascarar os males que nos são propostos em belas e sedutoras embalagens. Confirma-nos no serviço a ti, único e supremo bem, mantendo-nos no serviço àqueles/as que são excluídos/as da mesa de todos e recebem apenas as migalhas que sobram. Que nossa comunidade atualize tua ação de levantar o indigente da poeira, retirar os pobres do lixo e fazê-los sentar entre os nobres do teu povo.
Pe. Itacir Brassiani msf
(Am 8,4-7; Sl 112/113; 1Tm 2,1-8; Lc 16,1-13)}(19.09.2010)
Palavras e imagens poderosas e sedutoras martelam em nossos ouvidos e solicitam nosso olhar. Críticas mordazes e suspeitas alimentadas por interesses escusos são repetidas como refrão de uma ladainha. É isso que vem dando o tom na campanha política que envolve o povo brasileiro. Como ouvir, guardar e entender a Palavra viva de Deus em meio a tantos rumores? Será que o mês dedicado à Bíblia não pode nos ajudar numa crítica mais profunda das nossas práticas e instituições e num olhar mais esperançoso e transformador destas realidades? De fato, a Palavra de Deus não é simplesmente uma palavra a mais em meio a tantas outras, mas o sentido profundo e transcendente de todos os anseios e palavras verdadeiramente humanas. A Palavra de Deus está encarnada nas palavras humanas, assim como a ação de Deus se conjuga com a ação humana que cria comunhão e promove a liberdade.
“Quando passará a lua nova, para vendermos bem a mercadoria?”
Vivemos numa sociedade de simulação e de consumo. Nada melhor que o tempo de campanha política para trazer a simulação à luz do dia. Todos os postulantes às funções públicas, legislativas ou executivas, fazem questão de se mostrarem devotados agentes públicos, amigos de todos, servidores dos pobres. É como se quisessem fazer da política um sacerdócio e dedicar a vida pelos oprimidos. A realidade é colorida ou reduzida a preto e branco, de acordo com os interesses partidários ou pessoais. As palavras mais encobrem do que revelam aquilo que se esconde no íntimo dos candidatos. Tudo é simulação.
Mas a política está inserida num contexto mais amplo que é a sociedade de consumo. Tudo é regido pela lei do mercado, tudo existe para ser consumido e substituído o mais rapidamente possível. O consumo é a alma deste mundo sem coração e a mina de onde é extraído o ouro da riqueza de poucos à custa da ruína de muitos. E esta tentação seduz até a religião e a política. Todos esperam impacientes o momento oportuno para alterar as regras e dominar os pobres com dinheiro e os humildes com promessas, óculos, camisetas, sandálias ou bênçãos e curas fáceis.
Que lugar têm os pobres e que sentido tem a vida deles nesta sociedade? Nenhum. Até pouco tempo eles serviam como combustível humano nas máquinas e processos industriais, como mercadoria humana no mercado onde se comercializava a mão de obra. Agora a automação tomou o lugar deles, com menos custo e sem o incômodo dos olhares famintos ou das greves desestabilizadoras. Os pobres não servem mais nem como consumidores, pois um só consumidor rico vale por noventa e nove consumidores miseráveis. Servem apenas como votantes, e isso enquanto o voto for obrigatório.
“Um homem rico tinha um administrador que foi acusado de esbanjar seus bens.”
Como iluminar esta realidade com a luz da Palavra de Deus? A parábola que Jesus apresenta hoje aos seus discípulos é muito complexa, mas pode nos ajudar. Temos ainda bem presente na memória e no coração as parábolas que Jesus nos propôs no último domingo como defesa da sua prática solidária com os pobres e excluídos. Como esquecer a figura daquele pai que esbanja atenção, dinheiro e compaixão na festa de acolhida do filho que chegara a disputar a ração dada aos porcos?
A parábola de hoje coloca em evidência um protagonista muito diferente: um administrador acusado de esbanjar os bens que não lhe pertenciam e, por isso, estava ameaçado de demissão. Ciente de que não estava preparado para outro trabalho e recusando-se a pedir esmolas ele agiu com esperteza e rapidez: alterou o montante da conta em favor de alguns devedores e prejudicando mais ainda seu patrão. Com isso, esperava que no futuro os devedores por ele beneficiados saberiam retribuir solidariamente seu gesto de bondade.
O que surpreende e desconcerta é que a esperteza do administrador recebe um elogio explícito do patrão (e do próprio Jesus). Há quem explique o elogio a esta ação aparentemente imoral levantando a hipótese de que o desconto de 50 e 20% corresponde aos juros iníquos cobrados pelo credor ou à comissão à qual o administrador tinha direito. Seria isso mesmo? Ou Jesus estaria propondo outra mensagem, semelhante àquela do pai que gasta sem critérios para acolher e restabelecer a dignidade do filho que havia descido ao inferno social?
“Usai o dinheiro injusto para fazer amigos...”
A questão fundamental que Jesus nos apresenta com esta parábola é como usar adequadamente os bens, as honras e o prestígio. A palavra clara e corajosa de Amós traz à luz do dia as práticas de acúmulo que os ricos tentam esconder nas sombras da noite ou nas franjas de uma hipocrisia deslavada. Mas deixa claro que somos apenas administradores de bens que não nos pertencem e que, frente ao bem maior do Reino de Deus, o dinheiro é coisa de pouco valor e radicalmente injusta.
O administrador aparentemente desonesto é elogiado porque evita ser amigo do dinheiro (como os fariseus) e se mostra amigo das pessoas. Com ele nós aprendemos que o dinheiro que passa pelas nossas mãos, bolsas e contas não nos pertence e precisa ser usado corretamente: para beneficiar a pessoa humana, todas as pessoas, começando pelas mais necessitadas. A ação do administrador é claramente oposta àquilo que fazem os comerciantes denunciados pelo profeta Amós.
Aquilo que parece esbanjamento e desonestidade é pura sabedoria evangélica. Precisamos desenvolver nossas responsabilidades no mundo da economia – produção, administração, distribuição e consumo – com critérios evangélicos. E o critério fundamental é este: os bens estão a serviço de uma convivência humana sadia e solidária. Desviar para os bens econômicos o amor que devemos às pessoas é uma loucura que compromete nossa felicidade pessoal e destrói os laços sociais.
“Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro.”
Precisamos fazer a escolha certa no tempo certo. O momento presente é decisivo em nossa vida. O passado se foi, o futuro ainda está para chegar, mas o presente urge e solicita nossa intervenção sábia. Existem cristãos que construíram sua moradia no passado, e dela não saem para nada. E outros se refugiam no futuro, onde vivem num mundo de fantasia. E quando este futuro é chamado de vida eterna e revestido com esfarrapadas roupas de piedade a mudança é quase impossível.
O uso esperto e sábio dos bens econômicos é que nos habilita a administrar o bem verdadeiro, o Reino de Deus. Esta é a lição que Jesus dá aos cristãos e à Igreja. É intolerável que uma instituição que se legitima unicamente como administradora do Reino de Deus siga impondo fardos aos mais pobres, beneficiando os poderosos, excluindo e criminalizando aqueles que não podem seguir estreitas regras morais, nem sempre evangélicas, enquanto que Paulo nos lembra que Deus quer que todos se salvem!...
O tempo é breve e os bens não nos pertencem! O próprio Jesus veio ao mundo como herdeiro e administrador das coisas do pai e não fez outra coisa que diminuir e cancelar os débitos das pessoas que os sistemas sempre criminalizaram. Mas a maioria das igrejas dá a impressão de que foram enviadas para aumentar estas contas ou cobrar comissão para renegociá-las... Em vez de fazer amigos, criar vínculos e construir espaços de liberdade eles engordam suas contas bancárias e aumentam o poder.
“E o senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com esperteza.”
É impossível amar Deus e viver em nome Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, dobrar os joelhos diante da riqueza, do poder e do prestígio. Ninguém pode adiar impunemente a necessidade de decidir entre Deus e o dinheiro. Precisamos aprender de Jesus o que significa ser esperto e sábio. A Palavra de Deus é penetrante como uma faca de fio duplo: vai até a medula e separa o que é bom e o que é ruim. Tomemos como orientação e guardemos estas palavras santas no coração, mesmo quando são duras, como as do profeta Amós.
Senhor, tua Palavra é santa e nos ensina a sabedoria. Queremos guardá-la e pô-la em prática em todas as circunstâncias da nossa vida. Ensina-nos a contar adequadamente o tempo e avaliar corretamente o valor das coisas. Concede-nos a coragem de desmascarar os males que nos são propostos em belas e sedutoras embalagens. Confirma-nos no serviço a ti, único e supremo bem, mantendo-nos no serviço àqueles/as que são excluídos/as da mesa de todos e recebem apenas as migalhas que sobram. Que nossa comunidade atualize tua ação de levantar o indigente da poeira, retirar os pobres do lixo e fazê-los sentar entre os nobres do teu povo.
Pe. Itacir Brassiani msf
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