(Jr
31,7-9; Sl 125/126; Hb 5,1-6; Mc 10,46-52)
O mês que a Igreja dedica à oração e
à animação missionárias vai chegando ao fim. Irmãos e irmãs extraordinários/as
nos acompanharam nesse período: Santa Teresinha, São Francisco, Santa Teresa, São
Lucas, Santo Inácio de Antioquia... Eles/as nos estimulam, cada um/a a seu
modo, a discernir nossa vocação na Igreja e a assumir nossa missão no mundo. Como
cristãos, não podemos ficar sentados à
beira da estrada. Diante da Palavra de Deus que nos chama, precisamos levantar
com coragem, jogar para trás aquilo que nos amarra, pedir que Jesus abra nossos
olhos, e pôr o pé na estrada do dom, para que todos os seres humanos sejam
reconhecidos em sua dignidade. Não esqueçamos que Deus continua fazendo grandes
coisas por nós e deseja fazer muito através de nós. Que nossas comunidades,
a exemplo dos discípulos que encorajam o cego Bartimeu, sejam solícitas com aqueles que estão longe, cooperando
criativamente com a missão.
“Estava sentado à beira do caminho.”
Somos movidos pelo desejo, não importa o nome com o qual
venha batizado. Alguns preferem chamá-lo sonho
ou utopia; outros/as falam de vocação; outros/as ainda usam a palavra aspiração, projeto. O fato é que esse dinamismo, por um lado, nos arranca para fora de nós mesmos/as e
quebra os grilhões que nos amarram ao presente, e, por outro, revela que somos seres inconclusos e inquietos,
cidadãos de pátrias que (ainda) não existem e contemporâneos de um tempo que
está por vir.
O desejo insaciável de plenitude faz
com que a pessoa humana se coloque a caminho e com ele se fusione. Apagar este
desejo ou substituí-lo pela rasteira satisfação proporcionada pelo consumo de
bens fugazes equivale a começar a morrer. O ser humano só fica sentado à beira
da estrada quando ainda não alcançou sua própria maturidade ou quando tem
roubada a sua dignidade. Só quem ousa
caminhar para além da situação presente é capaz de recusar uma vida sustentada
por esmolas.
O desejo mobilizador e criador é o lugar do encontro com Deus. Quem
busca Deus fora desta insaciável sede de
plenitude acaba encontrando ou fabricando ídolos que só fazem amedrontar os
viventes e devorar vidas. É Deus quem nos fez assim, do pó da terra e do sopro
divino. E é nessa abertura que nada pode
preencher que ele costuma vir ao nosso encontro, acolhendo-a não como sinal
de nossos limites, mas como expressão do infinito que nos habita.
“Senhor, salva teu povo!”
É do fundo desta condição de criaturas desejantes que brota a
verdadeira oração. Mas também aqui a vertigem da liberdade e o império da
satisfação das necessidades imediatas podem nos levar longe de nós mesmos/as e
nos jogar na condição de mendigos que se contentam com as migalhas
mal-humoradas de homens e deuses. E em vez de pessoas dignas, convivas que
partilham de pé a refeição da vida, viramos pigmeus humilhados, sentados à
beira da estrada da vida.
É na oração que revelamos nossos verdadeiros e mais profundos desejos. O que é que andamos pedindo nas
orações pessoais e celebrações comunitárias? Dirigimo-nos a Deus como se ele
fosse um substituto do falido sistema de saúde, pedindo-lhe que não deixe que a
doença se hospede em nós ou nos nossos familiares? Ou confiamos a ele a frágil
economia da nossa família e imploramos que dê segurança às nossas poupanças? Talvez
cheguemos até a pedir paz, segurança e sucesso à nossa Igreja na concorrência
com as demais denominações...
Pobres desejos!... Não passam de
necessidades, reais ou fantasiosas, geradas no ventre do medo. Não é suficiente
pedir com insistência: é preciso desejar
e pedir com ousadia grandes coisas! Venha a nós o vosso Reino! Seja feita a
vossa vontade! Não nos deixes cair em tentação! Renova a face da terra! Faz
raiar um novo dia! Que o novo céu e a nova terra comecem de uma vez e queimem
com sua brasa ardente nossos medos e nossa mesquinhez. Envia teu Espírito,
Senhor!
“Filho de Davi,
tem compaixão de mim!”
O cego Bartimeu, que pedia esmolas
na margem da estrada, soube discernir no murmúrio do povo a passagem daquele
que o ajudaria a mudar definitivamente seu pobre destino. Ele começou pedindo
compaixão àquele que carregava no DNA e na história familiar as esperanças dos
pequenos. Começou reconhecendo dolorosamente que viver sentado à beira do
caminho não é vida. Antes de manifestar propriamente um desejo, expressou sua própria condição
de dor e alienação.
Apesar da contrariedade inicial dos
que o circundam e seguem, Jesus pára e se dirige àquele que está à margem: “O
que você quer que eu faça por você?” Há
pouco um homem havia perguntado o que deveria fazer para possuir a vida eterna,
e outros dois haviam pedido o privilégio de sentar à direita e à esquerda de
Jesus na glória. Qual é o desejo que
grita nas entranhas do cego? Uma esmola? Um manto para acolher os dons e
cobrir o corpo machucado? Uma orientação espiritual?
“Que queres que eu te faça?”
Encorajado pelos discípulos, o cego balbucia uma prece vem do fundo da condição
humana, um pedido que espanta todos os medos e exorciza todas as
limitações: “Mestre, eu quero ver de
novo!” Neste pedido, Bartimeu resume todas as suas necessidades e desejos:
nem saúde perfeita, nem vida longa, nem esmola polpuda, mas ver claramente as coisas, avaliar com
retidão os acontecimentos, vislumbrar o Reino de Deus chegando como graça,
reconhecer a presença de Deus nos pequenos e grandes gestos de serviço
solidário. É isso que ele pede. Mas isso seria tudo?
Um jovem rico havia voltado atrás
entristecido porque era refém dos próprios bens (cf. Mc 10,17-22). Os filhos de
Zebedeu continuaram amarrados aos sonhos de poder. Mas Bartimeu se livra do seu
único meio de sobrevivência – o manto onde o povo jogava suas moedas – e se aproxima
de Jesus. E é essa fé ativa e dinâmica que
abre seus olhos. “Pode ir, a sua fé curou você!” Ele não vai para casa, como
seria de se esperar, mas faz-se discípulo
e segue Jesus, coisa que o jovem rico não conseguira.
Nossos olhos se abrem enquanto
caminhamos para Jerusalém, na fidelidade ao mestre e profeta Jesus. Percebemos
e demostramos que nossos olhos estão abertos e que vemos realmente quando, como
Bartimeu, nos unimos a Jesus e seguimos com ele para o ataque final à ordem
iníqua. Os ricos se afastam abatidos, os discípulos da primeira hora se
atrapalham, mas Bartimeu é tranformado em
discípulo e militante. Os primeiros se revelam os últimos, e os últimos se
tornam os primeiros!
“E foi seguindo Jesus pelo caminho.”
Quem segue Jesus se assemelha a uma
criança. É com o próprio Jesus de Nazaré aprendemos o que significa receber o
Reino de Deus como uma criança, pois ele encarna a atitude essencial da criança: confiança nos outros, abertura àquilo
que pode ser, alegria e gratidão pelas coisas que acontecem, curiosidade e
desejo de aprender, despreocupação consigo mesmo. E com ele aprendemos também a
desenvolver, como São Paulo, uma madura solicitude para com aqueles que estão
longe.
É verdade que a criança pode também imaginar
Deus como uma espécie de Papai Noel,
que traz presentes aos que pedem, ou como um ser Todo-poderoso, que tem o poder de impedir que nos aconteçam coisas
desagradáveis. Esta é uma uma forma infantil de fé. Infelizmente, alguns
adultos têm uma fé infantil: imaginam que Deus pode manipular os eventos a
favor daqueles que o pedem gentilmente, ou esperam que Deus faça por eles aquilo
que eles mesmos deveriam fazer.
Jesus de Nazaré, peregrino no santuário das dores humanas! Escuta e
atende o grito que brota das entranhas da terra e dos corações que não venderam
sua humanidade por dinheiro vil. Abre os nossos olhos, para que te reconheçamos
passando em nossos caminhos. Desamarra nossos pés, para que sigamos teus
passos. Converte a tua Igreja, para que
ela não ignore ou reprima os desejos e sonhos que movem a humanidade. Desperta
em nós a solicitude por aqueles/as que estão longe, e novas formas de
cooperação missionária na Igreja. E não permitas que ninguém cale em nós o
grito desse desejo, mais profundo que todas as profundezas, mas forte que todas
as razões, mais glorioso que todas as luzes, mais vivo que todas as cores, mais
nobre que todas as honras. Assim seja! Amém!
P. Itacir Brassiani msf
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