O
caminho da vida cristã, inaugurado por Jesus Cristo autenticamente humano e
plenamente divino, é, antes de tudo, a via
do amor e do serviço. Mas o amor não foge do sofrimento como se fosse seu
oposto, pois sabe que o amor é exigente. Na prisão, Paulo experimenta isso na
própria carne, mas o vive como graça. E pede que participemos do seu sofrimento
pelo Evangelho. É nesta humana capacidade
de sofrer por amor que se esconde a maior glória que podemos desejar. Uma
vida testemunhada como amor e serviço traz em si a vitória sobre a morte e o
brilho da imortalidade.
Hoje
somos convidados a meditar sobre a transfiguração de Jesus. Depois de perguntar
aos discípulos o que o povo pensava sobre ele, e depois de ouvir que a maioria
o via como profeta, Jesus interroga os próprios discípulos, e ouve de Pedro uma
resposta que expressa um messianismo que exclui qualquer sinal de
vulnerabilidade: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo!” Numa profissão de fé
formalmente correta se escondiam idéias e expectativas bastante contraditórias.
E Jesus sentiu necessidade de esclarecer
esse messianismo de Pedro, marcado pela idéia de poder.
Por
isso, Jesus se dedicou a corrigir atenta e demoradamente as expectativas de
sucesso e honra que povoavam a mente e o coração dos discípulos: “Se alguém
quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem
quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perde a sua vida por causa de
mim, vai encontrá-la” (Mt 16,24-25). Mas parece que os discípulos, Pedro à
frente, não conseguiam escutar e compreender o que as insistentes palavras de
Jesus significavam. Como é difícil mudar uma mentalidade religiosa fechada e um
ideal político ambicioso!...
É
seis dias depois dessas tensões e lições que ocorre a transfiguração de Jesus.
Penso que o núcleo central da passagem está mais na dimensão auditiva que no aspecto
visual. É verdade que a mudança no aspecto visual de Jesus – o brilho do rosto
e das vestes – chama a atenção dos discípulos e provoca entusiasmo. Eles até desejam
prolongar no tempo esta experiência. Como sempre, experiências de poder e da
glória tranquila, fugaz e mortal que as acompanham costumam embriagar e podem
levar ao fanatismo. Mas a narração focaliza a
voz que vem da Nuvem.
Jesus
aparece acompanhado por Elias e Moisés e conversa com eles. Qual seria o
conteúdo desta conversa? Os personagens que aparecem e dialogam com Jesus são
dois ícones da história do povo de Israel: Moisés, que lembra o êxodo libertador, e Elias, que recorda a
profecia corajosa, radicada na
experiência de um Deus que caminha com seu povo mas não se deixa prender em
nenuma imagem. Liberdade e profecia
parecem ser o conteúdo do diálogo. Mas os discípulos não parecem
interessados nisso. Eles se deixam seduzir pelo brilho da cena e fecham os
ouvidos ao que se fala.
A
nuvem tenebrosa e luminosa que envolve os discípulos embriagados recorda o
êxodo, a longa e exigente travessia da escravidão à liberdade. Se antes eles
estavam achando tudo muito bom e bonito, caem no chão e são tomados pelo medo
quando a nuvem os envolve. Parece que o temor aumenta quando ouvem a a voz que
ordena: “Este é o meu filho amado, nele está o meu pleno agrado: escutai-o!” Nenhum discípulo de Jesus pode pretender menosprezar
a lição de um Deus que se deixa crucificar por amor. O processo de
libertação pessoal e coletivo tem seus custos!
O
intimismo e o espiritualismo que costumam envolver e acompanhar muitas
experiências religiosas podem ser perigosos, pois tendem a esconder a indiferença
para com a sorte dos oprimidos – o tráfico humano à frente! – e a letal aliança
com o poder das elites. A tentação de construir tendas, templos e palácios em
lugares inacessíveis aos simples humanos sempre ronda a Igreja, e nem Pedro e
seus sucessores estiveram imunes a ela. É
preciso descer da montanha, sair dos templos, ganhar as ruas e não esquecer a
lição da solidariedade!
Deus Pai e Mãe! Aqui estamos,
dispostos a escutar e compreender a Palavra e o Caminho do teu Filho. Ajuda-nos
a acolhê-los, com a firme decisão de sermos parceiros dos homens e mulheres nos
seus sonhos e lutas, e de compartilhar os custos neles implicados. Não nos
deixes cair na tentação de armar piedosas tendas, longe das dores das vítimas e
dos clamores dos pobres e sofredores. Toca delicadamente nosso ombro, espanta o
medo que nos embebeda e levanta-nos,
para que desçamos da montanha revestidos da coragem dos profetas e da
esperança dos sonhadores. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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